sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Entrevista urgente: Carlito Azevedo

Foto: Gerson Dudus
"Não me importa se um livro de poemas atingiu um milhão de pessoas, o que me importa é saber em que medida aquele livro de poemas me ajudou a ver o mundo"

[Entrevista concedida a Gerson Dudus]

Palavra Expressa é o projeto de poesia que ocupa as dependências da Biblioteca Pública Dr. Telio Barreto, no Centro Macaé de Cultura. Um encontro que busca aproximar o macaense da poesia brasileira e local. Tem homenageado vários poetas da cidade, alguns com mais de 90 anos de idade, com saraus de poesia, além de oferecer oficinas para ampliar o conhecimento da poesia contemporânea e aprimorar a técnica daqueles que gostam de fazer poesia e não apenas lê-la ou ouvi-la. Para comemorar seu primeiro ano, foi convidado o poeta Carlito Azevedo, para falar de poesia brasileira contemporânea e lançar o vigésimo número da mais importante revista de poesia no Brasil, hoje – a Inimigo Rumor.

Carlito Azevedo recebeu o Prêmio Jabuti após estrear na literatura com o livro de poesia Collapsus Linguae (1991). Sua obra foi reunida em Sublunar (2001), que inclui As banhistas (1993), Sob a noite física (1996) e Versos de circunstância (2001). Carlito foi recentemente incluído na lista dos vinte maiores poetas brasileiros vivos. Tem livros publicados em Portugal, Espanha e Argentina, além de participar de diversas antologias poéticas publicadas na França, nos Estados Unidos, na Itália, na Colômbia e no México. Coordena a coleção de poesia Ás de colete, das editoras Cosac & Naify e 7Letras. Desde 1997, trabalha como editor da revista de poesia Inimigo Rumor, revista que chega ao número 20 e foi lançada durante o evento desta terça feira(12), na própria Biblioteca. Mais de 60 pessoas assistiram à fala de Carlito e participaram do debate logo depois.

Gerson Dudus - Tem uma visão popular sobre poesia, que acredita ser ela a expressão dos sentimentos, em versos...a visão romantiquinha.Depois das vanguardas e do modernismo a gente sabe que não é tão simples. Existe alguma definição de poesia que seja operacional hoje, quando há trabalhos que reúnem artes plásticas, música, performance/teatro/dança e palavra e não se resumem ao livro, à pagina e ao verso? É possível ainda uma fina película conceitual que diga pra gente o que é poesia?

Carlito Azevedo - Se alguém acha que a poesia é algo que já foi inventado, cuja invenção já foi terminada, só lhe resta seguir "escrevendo" poesia como manda o figurino. Mas eu tendo achar bem mais interessante pensar a poesia como algo que ainda está sendo inventado, cuja gramática e definição só vale para ler o que passou e não para reger e dirigir o que virá. De modo que a única definição que posso utilizar para a poesia é aquela mais abrangente de todas, usada uma vez pelo russo Mikhail Bakhtine: há poesia toda vez que algo nos ensina a ver diferenças onde antes só se via mesmice, homogeneidade.

Gerson - Mas, Carlito, em cada época, os poetas se mobilizam por certas questões - estéticas filosóficas, éticas, políticas. Seu intercâmbio com poetas daqui e de outros países acaba dando uma visão geral de poesia contemporânea no mundo? Para você quais são as questões centrais com que o poeta tem que se confrontar hoje no Brasil?

Carlito - Não quero parecer alguém que dá receitas ou aponta caminhos, o que posso dizer é que a poesia que prefiro na atualidade é aquela que (trate do tema que tratar) me passa a dimensão do abismo que há em estar vivo. Há o abismo social, visível, tangível a cada esquina. E há o abismo existencial: somos regidos pelo acaso e pelo caos. Como disse o Mallarmé há mais de cem anos, não há ordem inventada pelo homem que possa abolir o acaso dessa imensa estrutura que é o universo. Sabe-se que a única prova de que amanhã, ao acordarmos, o universo ainda estará aí fora é o fato de que até hoje foi assim.

Tem gente que reage a esse estado de coisas buscando uma ilusão de segurança, e daí surge a arte mais acadêmica, que se quer eterna, clássica, perene... ilusões de perenidade num mundo em contínua transformação. E tem gente (e é a gente que eu prefiro) que reage a esse estado de coisas incorporando em sua produção artística o aleatório, o informal, a indeterminação, o experimental, como dimensões fundamentais. É como se para esse tipo de poeta, a poesia fosse uma sonda mental que ele atira ao desconhecido para ver se encontra um ponto fora de si a partir do qual re-descrever o mundo. Muito melhor isso que escrever obedecendo as regras do mercado.

Gerson - Falando em regras do mercado, muita gente diz que a poesia contemporânea é difícil e por isso não consegue sintonizar com o público de um certo gosto médio. Como você vê a relação entre poesia e público? Poesia não se vende e poesia não vende são sinônimos? Depois da Internet, da blogosfera, da disponibilidade de todo tipo de poeta e poesia na rede, das comunidades e fóruns virtuais, a poesia consegue chegar a mais pessoas?

Carlito - A regra do mercado é simples: livro bom é livro que vende. E o pior é que essa regra, que pretende tomar o lugar da reflexão crítica e da discussão política, coisas básicas para a poesia e para a filosofia, anda atingindo todo mundo. O que eu sei é que rentabilidade não é critério para se julgar a poesia (nem nada). Não me importa se um livro de poemas atingiu um milhão de pessoas, o que me importa é saber em que medida aquele livro de poemas me ajudou a ver o mundo como algo mais permeado de alternativas e possibilidades do que aquelas (pouquíssimas) que me são oferecidas pelo mundo globalizado: nasça, consuma carros e celulares, faça sucesso e morra. O mesmo vale para blogs e sites de poesia.

Gerson - Essa relação entre público e poesia, para nós do Palavra Expressa é relevante, no sentido de que o poeta problematiza a existência e busca desautomatizar a vida. Ser ouvido e lido, buscar um ponto que me ligue ao outro, essa conexão, essa empatia - sentir junto, é muito importante. Sei que soa messiânico, mas ...assim como uma poemúsica - uma bela canção feita por um dos nossos da mpb atinge as pessoas e aquilo se torna trilha de um momento da vida, que dá a dimensão existencial daquilo que se viveu...isso é possível, hoje, para a poesia e um público, como foi para Drummond ou Gullar ou Leminski?

Carlito - Eu acho que a relação entre poesia e leitor é o mais relevante. Quando passo a tratar o leitor como público, reduzindo-o a números, consumidores, estatísticas, eu já entrei no próprio processo de automatização que pretendia estar criticando. Lorca dizia que ler um poema num auditório para seis pessoas valia tanto quanto publicar um livro com uma tiragem de cinco mil exemplares. É desse modo enviesado e mais rico que eu acho que a poesia deve se relacionar com os "números", algo que fundiria a cabeça de qualquer gerente de vendas: dois e dois são cinco, seis igual a cinco mil. O importante para o poeta é não se recusar ao contato, ele deve publicar livros, fazer leituras públicas, criar blogs, postar suas leituras no youtube e no myspace. Alguns, como eu, até editam revistas de poesia que tentam multiplicar esse contato entre poeta e leitor. Mas que o sucesso de quem quer que seja não nos iluda.

Gerson - Na coleção de poesia que você coordena, Às de colete, depois da reunião dos poemas de Cacaso, Orides Fontela, Chico Alvim, Chacal, da surpresa da portuguesa Adília, quem vem? E dos novos?
Carlito -
Minha alegria maior com essa coleção é a possibilidade de lançar novos autores. A próxima leva, agora em outubro, traz livros novos de Ricardo Domeneck, Walter Gam e Felipe Nepomuceno, três novíssimos que me encantam e fazem ficar otimista quanto aos desdobramentos da poesia futura. Além disso, temos também a poesia reunida de Cesare Pavese, grande poeta italiano que até agora só foi publicado no Brasil como romancista.

Gerson - E você? Depois do Sublunar com a reunião dos seus livros anteriores, o que vem por aí? Como você sente que sua obra se desdobra?

Carlito - Já dizia o Paul Valéry que a função de um livro é surpreender seu autor. E eu creio um pouco nisso. Vou escrevendo, jogando fora, refazendo, sempre de acordo com meu "eu todo retorcido", como dizia o Drummond, com esse feixe de tensões que me compõe. Imagino que seja um livro mais cortado de fluxos sonoros e mentais do que estruturado em placas visuais, como vinha sendo meu trabalho poético até agora... Mas pode ser só impressão minha. Como disse, estou disposto a ser surpreendido.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Nosso entrevistado: Orávio de Campos Soares

Wellington Cordeiro
"Acho um absurdo uma entidade como a Zumbi dos Palmares ser comandada por grupos neopentecostais"

Veterano repórter, professor de várias gerações, homem do teatro e da pesquisa em comunicação popular, Orávio de Campos Soares, 69 anos, abriu nesta semana, em artigo publicado na Folha da Manhã, polêmica em relação às indicações do governo interino da Prefeitura de Campos para a Fundação Zumbi dos Palmares, denunciando a escolha de evangélicos que hostilizam as religiões de origem afro.



“Acho um absurdo uma entidade como a Zumbi dos Palmares ser comandada por grupos neopentecostais de natureza fundamentalista. Os pastores satanizam os signos da religiosidade africana e não acredito que possam ter boas intenções ao ocupar um cargo politicamente estratégico”, disse Orávio nesta entrevista ao urgente!, que tem a íntegra reproduzida abaixo.

urgente! - O senhor publicou artigo onde afirmou que não aceitou convite para presidir a Fundação Trianon. Como toda a trajetória no teatro campista que o senhor tem, não seria uma boa contribuição para o município aceitar o convite?

Orávio -
O problema não está no que posso contribuir. Isso eu tenho feito ao longo de minha vida sem ocupar cargos políticos. No fundo há uma incompatibilidade entre o meu ser social e as diferentes esferas do poder. Não me sentiria bem diante de um quadro no qual não acredito. Governo ainda gera desconfiança na comunidade. Há a idéia de que as pessoas entram no poder para levarem vantagens. E, depois, sou, ainda, do tipo: “Se há governo sou contra”.

urgente! - Em outro artigo, mais recente, o senhor condena a escolha de pessoas ligadas à Igreja Universal do Reino de Deus, conhecida pela relação hostil em relação a cultos afrodescendentes, para a gestão da Fundação Zumbi dos Palmares. Esta insatisfação é presente em outros setores do Movimento Negro? Haverá alguma mobilização para tentar reverter estas escolhas?

Orávio -
Acho um absurdo uma entidade como a Zumbi dos Palmares ser comandada por grupos neopentecostais de natureza fundamentalista. Fundada por inspiração de Vovó Teresa, a instituição, com 10 anos de existência, não tem muito que comemorar. Deveria, pelo menos cumprir os estatutos, nos quais constam possibilidades de se restaurar as instâncias políticas, sociais e culturais dos afrodescendentes, nos quais se inclui a sagrada religiosidade dos orixás. Essa forma de colonialismo é insuportável na contemporaneidade. A falta de visão das pessoas é muito pior, ainda. Os pastores satanizam os signos da religiosidade africana e não acredito que possam ter boas intenções ao ocupar um cargo politicamente estratégico. Mas a culpa é do prefeito, o mesmo que, para marcar um ato político, mandar destruir o índio da Estrada do Contorno. Infelizmente, não existe nenhum movimento de preservação dessas culturas. Pelo menos assumindo posições. Muitos aplaudiram o que escrevi, mas no silêncio indevassável de cada um.

urgente! - Embora mantenha distância prudente da política, o senhor tem uma história de militância no PDT, e fez parte do movimento que deu origem à trajetória de Anthony Garotinho em Campos. Agora, passados vinte anos do Movimento Muda Campos, que elegeu Garotinho em 1988, que balanço você faz da influência deste grupo na política local? O período pós-Garotinho fez mais bem ou mais mal à cidade?

Orávio -
Anthony era uma boa liderança e o movimento, em termos políticos, foi a melhor coisa que aconteceu na cidade nos últimos 20 anos. Até porque partiu do romantismo dos artistas de teatro. O problema é que os objetivos, depois da derrota dos coronéis, passaram a ser outros. A liderança construída em torno da ANFAI e da FAMAC acabou olhando outros horizontes políticos. De prefeito Anthony quis o governo do Estado. Só que escolheu mal os seus sucessores. Deveria ter escolhido Fernando Leite e optou por Sérgio Mendes. Isso foi um desastre político e, a partir daí, velhos companheiros de luta começaram a brigar entre si. Depois, outro engano. Anthony entrega o poder nas mãos de Arnaldo Viana, um antigo prócer do PFL, gente de direita. Hoje, do lugar onde me encontro, avalio que a classe média intelectual que fez a revolução política em Campos, por incompetência e falta de visão do futuro, voltou às mãos dos coronéis. Quer dizer: Anthony, no fundo, criou sarnas para se coçar. Acredito que ele deve ter feito sua reflexão para avaliar a própria culpa. Mas só quem vai poder julga-lo é a própria história. Quanto ao PDT, por ser brizolista, ajudei a fundar o partido em Campos e, mesmo não concordando com muitas coisas, nunca mudei de posição. Com isso homenageio Brizola, uma das maiores capacidades políticas da história do Brasil.

urgente! - Como presidente da Associação de Imprensa Campista, uma das associações de imprensa mais antigas do país, o senhor tem um papel de representação institucional da mídia local. Qual a sua avaliação sobre esta imprensa? Vivemos um bom momento no jornalismo campista?

Orávio -
A imprensa campista passa por uma crise. E toda crise pode ser paralisante ou pode nos sinalizar com a possibilidade de mudanças para melhor. Os jornais hoje reproduzem exatamente os problemas políticos e institucionais do município. Cada um assume uma posição achando estar fazendo o melhor jornalismo. Acho que isso é bom e quem me chamou a atenção para este fato foi o Ricardo André. Diz ele que somos felizes por termos três jornais assumindo posições. É só comprar os três e estaremos informados sobre os acontecimentos. Pior é se não tivéssemos todos e cada um caminhando por suas trilhas editoriais. Acho que vamos encontrar o momento de equilíbrio social e político e ai os jornais tendem a ser melhores.

urgente! - E como coordenador do curso de Comunicação Social da Fafic, seu papel está ligado à formação de futuros jornalistas. O que o senhor tem dito aos novos do bando sobre essa nossa profissão? Ainda vale a pena ser jornalista?

Orávio -
A formação do jornalista para o novo jornalismo é muito boa. Não só pelas questões conceituais sobre o verdadeiro papel da comunicação, mas, também, pela possibilidade de fazer com que o aluno se sinta responsável pela transformação da sociedade e pela construção dos novos tempos que o futuro nos reserva. Nosso olhar é crítico e não poderia ser diferente considerando que é de nossa missão formar cidadãos que sejam muito mais críticos e comprometidos com as coisas novas. Acho que vale a pena ser jornalista, sim. É uma grande profissão. Tanto que, por pior que ela possa ser, nenhuma democracia pode prescindir de tê-la como salvaguarda da liberdade de expressão. Até mesmo para se expressar de uma forma ideologicamente incorreta. Pior é uma sociedade sem o jornalismo...

urgente! - Vez por outra o senhor sai pelo interior, com seu grupo de pesquisa, para registrar histórias do povo e contar em longas matérias. Esse modelo é muito próximo do chamado jornalismo literário, que ainda encontra muita resistência na imprensa. Ainda há leitores para este tipo de reportagem?

Orávio -
Penso que sim. Embora exista um rebanho de tolos, como nos explica Chomsky ao falar sobre a recepção da mensagem, podemos imaginar que muitas pessoas de bom gosto lêem as boas reportagens interpretando o trabalho literário de seus autores. Aliás, o jornalismo literário não é coisa nova, porque demanda dos tempos do jornalismo romântico, quando os jornais eram escritos por poetas, escritores, advogados, médicos e outros profissionais liberais. Considerado que esta volta ao arcaico para reconstruir o estilo literário é muito bom como exercício. Hoje os jornais vivem uma crise na mensagem quando mal emprega a língua portuguesa. Parece que a maioria das matérias, publicada nos diferentes jornais, foi escrita pelo mesmo repórter.

urgente! - Também é conhecida a sua sensibilidade religiosa. Como repórter, nestes terreiros da vida, já viu algo tão sobrenatural que, se contasse, os leitores não acreditariam? Qual a experiência mística mais interessante que já viveu?

Orávio -
Penso que não sou muito religioso, não. A religião dos povos de descendências africana me interessa como objeto de pesquisa. Mas, mesmo que não queira, os orixás sabem do trabalho que realizo em função da preservação dessas culturas. Mas, quando estive na Bahia, ao visitar o templo dos Filhos de Gandhi, fui recepcionado religiosamente pelos seus babalorixás. Compreendi que ao nível transcendente as entidades me olham com certo respeito e me admiram pelo que realizo.

urgente! - Depois do Muata Calombo, livro baseado em sua dissertação de mestrado sobre cultura popular da região, há algum outro livro no prelo? Temos novidades a caminho?

Orávio -
Meu livro é um verdadeiro fracasso editorial. Ninguém (ou quase ninguém) leu o meu livro, que fala do folclore, da cultura popular, da ligação atávica do homem com o boi. Viajo pelas Mana-Chicas, pelos Jongos e pelas trilhas que o Coronel Ponciano de Azeredo Furtado percorreu na ficção de José Cândido de Carvalho. O Muata foi mais vendido em Teresina, Natal, São Luiz, Lajeado (Rio Grande do Sul), São Paulo, Campo Grande (Mato Grosso) do que aqui em Campos. Hoje, o livro está na biblioteca da Universidade Nova de Lisboa, levado pelo pesquisador Carlos Nogueira que, apesar de ser português é a maior autoridade sobre literatura de Cordel no Brasil. Quanto a novo livro, sei não. O Celsinho Cordeiro queria que eu editasse as reportagens, de fulcros literários, na Folha da Manhã. Joel Ferreira Melo vem propondo a edição, em um único volume, de todas as minhas 12 peças de teatro, incluindo “O Auto do Lavrador”e o “Favela Ponto 5”. Fiquei desestimulado com o insucesso do Muata Calombo – Consciência e Destruição.

terça-feira, 25 de março de 2008

Nosso entrevistado: Roberto Moraes

"O campista quer um prefeito sem rabo preso...
e que ame o seu município"


O sorriso largo e a constante cordialidade podem esconder o tom contundente de suas críticas e o peso de suas opiniões. Dono do blog de maior repercussão na cidade de Campos dos Goytacazes-RJ, o engenheiro e professor Roberto Moraes, virou uma espécie de “pauteiro” da imprensa local, que sempre lhe consulta e/ou cita em diversos assuntos. Aos 49 anos de idade, o ex-diretor do CEFET (Centro Federal de Educação Tecnológica) ganhou notoriedade aos discutir o desenvolvimento regional, tendo inclusive publicado duas obras sobre o tema. Na recente crise política que abalou o município, nos grandes picos de tensão, seu nome foi citado pelo prefeito em exercício como um cidadão a ser consultado naquele momento de enorme instabilidade. Petista, candidato derrotado numa eleição para Alerj, não aceitou o convite para ingressar no governo provisório. Por que? Crítico e criticado pelo modelo atual de gestão pública, hoje recebe elogios do ex-governador Garotinho e se indispõe com companheiros do PT. Por que? Isto, e um pouco mais, o Urgente perguntou, por e-mail, ao nosso entrevistado: Roberto Moraes.



Urgente - O Blog do Roberto Moraes entrou na lista obrigatória de leituras diárias, pelo menos em Campos e entre os jornalistas da cidade. Hoje o blog registra a expressiva marca de mais 223 mil acessos, sendo 50 mil no último mês. O que percebo é que seus leitores não estão apenas atrás de suas opiniões, mas também atrás de novas informações, o que seu blog tem feito com muita competência. A sua rotina de engenheiro e professor permite tanta dedicação a este ofício? Como tem sido pautar a imprensa local?

Roberto Moraes -
Comecei o blog sem muitas pretensões em agosto de 2004. A condição de professor, pesquisador, estudioso, orientador de monografias e dissertações no Cefet torna obrigatório que se use a internet como fonte permanente de consulta e de troca com alunos e outros professores. A disposição e o interesse em repartir as informações que coletava e de debater sobre elas, o blog acabou sendo um caminho quase natural. No início, eram poucas visitas e quase nenhum comentário dos leitores. Depois o quadro foi se modificando. Neste processo, muitas pessoas passaram a colaborar mandando informações, fotos, filmes diretamente para o blog ou por e-mail. Insisti e alguns deles também se tornaram blogueiros. Com isso surgiu a rede e cada vez mais leitores porque os novos blogs trazem os seus contatos para este universo. Quanto a pautar a imprensa local é um fato interessante, porque o blog também se alimenta da mídia local, ao mesmo tempo em que a retroalimenta com novas informações e também com espaço para opiniões de gente abalizada nos diferentes assuntos, algo mais difícil de ser feito nos jornais. Os blogs terão ainda muito espaço para crescer. Eles naturalmente ocuparão, com o barateamento do preço do computador e do acesso à internet, espaços não só alternativos de informações e opiniões em parcelas maiores da população. Os blogs têm a vantagem da velocidade do rádio e a perenidade da imprensa escrita que mantém o que foi dito e com a vantagem adicional do espaço on-line para questionamentos, críticas e outras opiniões.

Urgente - Durante toda a recente crise na Prefeitura de Campos, o prefeito interino Roberto Henriques disse, na sua primeira coletiva, que tinha telefonado para o senhor e pedido sua ajuda na composição do novo governo. Até o ex-governador Anthony Garotinho tem citado o senhor – e as publicações de seu blog – como fonte para discutir os problemas da cidade. Duas perguntas: por que o senhor não aceitou o convite do prefeito Roberto Henriques para integrar o governo? O que significa esta aproximação de discurso com o grupo do ex-governador Anthony Garotinho?

Roberto Moraes
- Foi um fato curioso. Acompanhei pelo blog com ajuda de diversos colaboradores o 11 de março campista. Cinco minutos antes da PF chegar à casa de Mocaiber, por volta das seis e meia da manhã, passei por ali e quando estourou a notícia eu estava chegando à Macaé. De lá, fiz as primeiras postagens com notícias dos colaboradores. Voltei a Campos chegando por volta das dez horas já postando fotos e novos fatos. Cheguei a ter dificuldades para postagem em função do grande número de acessos simultâneos. O contador do blog apresentou problemas e mesmo assim registrou mais de seis mil acessos num único dia. Pois bem, durante o dia falando ao telefone, recebendo e-mails e ouvindo rádio e postando novas informações eu recebo o telefonema de Roberto, ao mesmo tempo em que a rádio dizia que ele estava chegando à sede da prefeitura. Ele diz que desejava falar urgente comigo ainda naquele dia. Pedi que deixasse para o dia seguinte e que primeiro tomasse posse e o pé da situação. Logo a seguir, ele disse na rádio que havia me convidado para uma conversa e eu resolvi confirmar no blog. Seria muito estranho que as pessoas, centenas que estavam acompanhando pelo blog continuassem a ouvir informações e minhas opiniões sem que eu comentasse sobre o telefonema. Era algo novo você falar da notícia e entrar nela ao mesmo tempo. Informei e pedi opiniões sobre o convite. Elas vieram nos mais diferentes sentidos. Continuei a dar informações e postar novos fatos e só no dia seguinte ouvi a proposta de Henriques junto com o professor Luciano D´Ângelo. Pedimos tempo para analisar a proposta dele que era para nós - e esse nós incluía também o professor José Luiz Vianna da Cruz - assumíssemos a área de Desenvolvimento Econômico, que incluiria desde a Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo, à Codemca e o Fundecam. Ponderamos algumas dificuldades de ordem política que ele e nós poderíamos ter com o convite. Ele se mostrou disposto se aceitássemos a manter os secretários do PT que foram nomeados pelo prefeito afastado e ficamos de responder até o dia seguinte. O convite foi pessoal e, mesmo sendo dito que ele tinha caráter mais técnico que político, era evidente que tal questão traria desdobramentos partidários. Desta forma, depois de ouvir algumas pessoas tomamos uma decisão em consenso de que não devíamos assumir porque poderíamos trazer mais problemas que soluções, não só pelas questões partidárias locais, como as regionais entre o PT e o PMDB. Roberto, além de cordial e simpático, pareceu sincero no objetivo de tentar traçar um governo mais técnico e menos partidário e, por isso, resolvemos nos colocar à disposição, sem entrar no governo esperando sinalizações mais claras de independência e ruptura com um modelo de gestão que precisava ser superada, tanto em relação ao governo afastado, como os que ficaram para trás. O que você pode estar chamando de aproximação do discurso com o grupo do ex-governador Garotinho é quase que uma conseqüência natural, na medida em que eu, no blog e nas entrevistas em jornais e TVs, vinha seguida e permanentemente batendo na má gestão dos recursos dos royalties e na necessidade de uma intervenção, inclusive, criticando duramente as pessoas do PT de Campos que tinham defendido a entrada no governo, já cheio de denúncias, do então prefeito Mocaiber. No momento logo a seguir do estouro da operação Telhado de Vidro, que inclusive o blog chamou a atenção para este estranho nome da empresa de shows, é natural que as falas se aproximem sobre os questionamentos, embora com nuances e propostas bastantes diferentes de intervenção em termos de políticas públicas. Essa é o tipo da resposta que não fica boa para blogs, onde o ping-pong e as perguntas e respostas curtas são mais apropriadas, mas a culpa é do Rodrigo.

Urgente - O ex-governador Garotinho lhe enviou uma nota explicando as razões que o fizeram pedir um habeas corpus preventivo ao TRF, chamando-o inclusive de "Querido Roberto". O ex-governador faz isso porque teme a repercussão de seu blog ou porque não o quer como mais um inimigo? Volto ao assunto: esta cordialidade representa uma aproximação com o grupo de Garotinho?

Roberto Moraes - O ex-governador com a sua astúcia e faro de mídia já enxergou a importância dos blogs, especialmente na formação de opinião e na articulação política com os seus pares, além do poder de criar novas notícias. O que você chama de cordialidade eu prefiro chamar de estilo. O blog do Roberto Moraes guarda, como não poderia deixar de ser, a maneira de ser do seu autor, o de ser duro nas críticas e nos questionamentos, mas cordial no trato e nas relações pessoais. Embora o blog seja um espaço aberto, como qualquer reunião ou assembléia que permite a presença de todo o tipo de gente, até de pitbuls, a tendência é que quem queira uma interlocução se dirija ao blogueiro no estilo deste. O blog é um exercício de cidadania e de tolerância, porque com ele você se expõe. Expõe sua opinião, submete-se a críticas, também crítica, faz propostas, enfim dá a sua cara à tapa. Quem não quer ser criticado não se expõe.
Urgente - Nas últimas eleições, sejam nos inúmeros e excepcionais pleitos municipais de Campos, tanto quanto nas disputas estaduais, sempre houve uma espécie aliança branca para conter o crescimento do ex-governador Anthony Garotinho. O PT, principalmente, “interveio” em Campos no sentido de derrotar o grupo de Garotinho em sua terra natal. Sinceramente, o senhor acredita que vale tudo contra o garotismo? A atual situação de Campos não mostra que houve um erro estratégico no apoio ao governo Mocaiber?

Roberto Moraes -
Vou começar pelo final. Sem dúvidas que houve um erro estratégico, tático, político ou de qualquer outra natureza que você queira analisar. Não dava para compactuar e pensar em implementar políticas públicas sérias com um governo que, majoritariamente, só pensava em maracutaias com os milhões dos royalties. Pois agora, em termos partidários, não dá para rever isso, sem que aqueles dirigentes partidários façam uma profunda e radical autocrítica do erro que cometeram, em nome do partido e de pessoas que acreditavam na perspectiva de implantação de uma boa governança em Campos. Sobre a primeira pergunta é evidente que eu não posso aceitar aqueles que defendem um vale tudo contra o garotismo. É preciso uma nova forma de governar em que a boa política pública seja o norte. A maior dificuldade hoje de conviver com o Garotinho é o seu sonho desmesurado em subir na política. O campista quer um prefeito sem rabo preso com quem quer que seja e que goste, ame o seu município, e por ele possa criar as condições de usar bem o dinheiro dos royalties, hoje mais do que nunca ameaçados por maus governos, para que tenhamos um presente melhor que o passado e o presente com perspectivas de desenvolvimento, não só econômico, mas social e com cuidados ambientais.

Urgente - Campos sobreviverá sem royalties? Como?

Roberto Moraes -
Qualquer cidade e povo sobrevivem aos maiores desafios que se possa imaginar. Quanto mais um povo como o nosso, que vem enfrentando desafios seculares. A questão, porém, é como o governante do presente deve usar o dinheiro, considerando que em nenhuma hipótese teremos no futuro, mesmo que todo o dinheiro dos royalties possa ser bem investido, a receita que temos hoje. Sendo assim, ser criterioso em meio especialmente às demandas enormes e ainda não atendidas da comunidade nas áreas de habitação popular, educação, saúde e outras infra-estruturas é o grande desafio. Neste aspecto, tem-se que acabar com os esquemas que levaram os preços dos serviços e das obras executadas em Campos a preços estratosféricos, sem similaridades em outros municípios do país, nem mesmo nas capitais. A pouca vergonha que estava vigente em Campos chegou a fazer uma reforma de praça, ou um abrigo provisório de passageiros, feito com toldo, custarem ambos, individualmente, mais caro que a construção da Uned de Guarus, do Cefet Campos. Para isso, há necessidade de uma gestão, além de mais austera, também mais transparente, para que a população ajude a vigiar os absurdos. Tenho ouvido de empresários e empreiteiros o desejo de trabalhar honestamente, ganhando e perdendo licitações, tendo os seus lucros normais, mas sem necessidade de ter que dar 10, 20, 30 e dizem que até 50% dos valores que seriam das suas obras. Por fim, o gestor não pode deixar de ter uma visão mais solidária e humana da sua gestão, lembrando que é sempre a parte mais carente da população que precisa dos governos, sem populismo, mas com programas e políticas públicas que sejam, pelo menos, no médio prazo emancipatórios da indigência e da pobreza. Uma integração entre os municípios para a resolução de problemas regionais também são importantes na perspectiva de redução das fragilidades e do fortalecimento dos pontos fortes de cada município individualmente. Enfim, para isso é preciso mudar radicalmente o que aí temos. É hora de se fazer um “faxinão” nesta forma arcaica e superada de gerir uma cidade.
Fotos: arquivo
Foto1: Roberto em casa
Foto2: Roberto conversa com Lula e Luciano D'Angelo, no Cefet, em 1999